sexta-feira, 13 de junho de 2008

TRÊS SONETOS RELIGIOSOS

... À MULHER DE LOT

UMA CANTILENA PARA SOPRANO E HARPA
SOBRE UM POEMA DE BRUNO TOLENTINO

ao filósofo Olavo de Carvalho, com admiração e atrevimento...


Tudo é memória... e esse breve instante
entre o delírio e o sonho, cada imagem
morta, resume a vida e a sua aragem
de ventos ásperos e extasiantes,

labirinto que sempre atravessamos
quanto mais nos perdemos, não importa
onde termine, há sempre uma outra porta
em que, saudosos, para trás olhamos

e trazemos as nossas próprias sombras,
como um marulho num revoar de pombas,
ou um mistério maior à nossa frente,

porque há um fantasma em nós adormecido
e, entre tantos abismos revividos,
só a visão de Deus é suficiente


ANUNCIAÇÃO

à Sonia Coutinho, com grandessíssimo afeto ...



...e eis que agora, Senhor, tudo é perfeito,
e o meu corpo extasiado por conter-te,
é todo transbordante, como esses
rios no esplendor de enchentes, qual meu peito

que agora abriga Teu altar e leito.
Jamais pensei que o coração sofresse
em vão, como um farol escuro nesse
céu de ilusões que é a vida e seus malfeitos.

Mas, em mim, como em tudo, não me basta
ser minha... é preciso ser-me Tua,
como é da chuva a terra e desse intenso

mar, molde da imaginação mais vasta,
a mais sublime e inesperada lua,
para nascer, de mim, Teu Amor imenso...





A CRUCIFICAÇÃO

ao infante João Felipe Ferreira Góis.

...na concha de minha mão
trago uma estrela.
ANTÔNIO BRASILEIRO




É tudo leve agora... é tudo pó
sob este Céu envolto na agonia
e a dor, que se imprimiu na pele fria,
é a tessitura exígua de um Ó

por onde se desfaz o último nó
do vetusto preceito que podia
fazer da Graça Eterna uma porfia
vã, porque todo homem morre só.

Mas a treva, plantada sobre o lume,
desvaneceu-se toda sob o abraço
de um grande Amor sem mácula e sem ciúme.

E assim se espera, pela Fé, a nova
chama que brotará sobre o ocaso,
pois pela Graça tudo se renova.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

APORTES DA ESTRADA ENTRE CANDEAL E ICHU


APORTES DA ESTRADA
ENTRE CANDEAL E ICHU

ou QUANDO OS MESES DE JUNHO A AGOSTO
AINDA TRAZIAM CHUVAS



para Uedson Lima



A saudade no ocaso é uma rosa de espinhos.
SOSÍGENES COSTA






Pelos lados do asfalto frio da estrada
estendia-se o tapete paralelo
da aurirrubra caatinga, de amarelo,
pintada sob o sol da madrugada,

porém, refeito em sonho sobre o nada
– e nos fazendo crer que algo belo
nos decifre os enigmas deste anelo –
todo o Sertão, agora, é de esmeralda...

E o odor da vida pela noite aumenta
quando o milagre líquido da tarde,
após as horas plúvias na cinzenta

flora, de cor de vida o horror devora
e uma grinalda verde a dor invade –
mas, em nossa visão de nova aurora,

a imagem do que é morto ainda arde.